Certamente que todos os que tão generosamente me têm ajudado e à Colóquio/Letras se terão interrogado sobre a ausência do apelido Mourão-Ferreira na lista dos meus amigos. Às 6h.29 do dia 1º de Dezembro de 2008 posso dar-vos a explicação, por palavras e imagens do número 164 da revista, Vozes da Poesia Europeia, II:


FALA DE DON ALVARO DE LUNA,

AO VER-SE JUSTIÇADO

Vi tesouros ajuntados
por grão dano de seu dono:
assim como sombra e sono
são nossos dias contados.
E, se forem prolongados
só com lágrimas, então
nem veremos o que são,
por nossos negros pecados.

Abri, abri vossos olhos;
gentios, olhai pra mim:
quanto vistes, quanto vi,
fantasmas foram aos molhos.
Com trabalhos duvidosos
é que usurpei senhoria:
pois se o foi não era minha,
mas indevidos despojos.

Casa a casa (ai de mim!)
e campo a campo aumentei:
coisa alheia não deixei;
e quis tudo quanto vi:
agora pois vêde aqui
quanto valem as riquezas,
terras, vilas, fortalezas,
com que meu tempo perdi.

Ó fome de oiro raivosa!
Quais serão os corações
humanos, que tu perdoes,
nesta existência enganosa?
Farta e sempre desejosa
és em todos os estados:
e não menos aos passados
que aos presentes és danosa.

Que foi feito da moeda
que guardei, para meus danos,
tanto tempo, tantos anos,
prata, jóias, oiro e seda?
Pois de tudo não me resta
senão este cadafalso...
Mundo ingrato, mundo falso,
que festa vem a ser esta?


Dos favores cortesãos
o que não soube hoje sei:
não pensava nem pensei
quanto no fundo são vãos.
E de leilão em leilão,
sem nenhum temor nem medo,
quando me deram o dedo,
logo abarquei toda a mão.


Eu fugi da caridade,
caridade me fugiu.
E quem foi que me seguiu
em tamanha necedade?
Se buscais amor, amai.
Se boas obras, fazei
que elas sejam vossa lei,
antes que o mundo vos traia.

Eu, se o alheio tomei,
o que é meu me tomarão;
se matei, não tardarão
em matar-me, bem o sei.
Se prendi, por tal passei;
por quem traí sou traído.
Andei buscando ruído:
basta assaz o que falei.


(Marquês de Santillana, Don Iñigo Lopez de Mendonza, 1398-1458)


SENTIMENTO DE ADMIRAÇÃO


Notícias publicadas na imprensa nos últimos dias dão conta de que Joana Morais Varela foi suspensa das funções de Directora da Colóquio/Letras. Os signatários entendem que o sentimento de consternação — inevitável e mais do que isso apropriado e justo — não deve exceder o de admiração pelo original, profundo e inovador trabalho que Joana Morais Varela ali desenvolveu.

Hoje a única sobrevivente do conjunto de revistas de que a Fundação Gulbenkian foi proprietária, a Colóquio/Letras transformou-se no mais importante órgão de difusão, estudo e crítica da literatura em língua portuguesa, presente e actuante em todos os centros de cultura portuguesa no mundo. Mantendo-se fiel ao modelo original da revista e ao espírito de colóquio entre ideias e correntes diferentes, avessa a polémicas e alheia a interesses imediatos e particulares, a Colóquio/Letras tem sido um modelo de publicação imaginativa, livre e rigorosa. De edição irrepreensível, elevada qualidade ensaística e literária e notável apuro gráfico, a Colóquio/Letras conseguiu a proeza de se ter constituído em objecto cobiçado e precioso sem perder a dignidade e a elevação intelectual. É irrecusável que essa transformação por que a revista passou se deve à visão, à tenacidade e à dedicação de Joana Morais Varela.

O sentimento de admiração é raro. Mais raras ainda as ocasiões para o manifestar em público e com entusiasmo. Os signatários não querem perder esta.

Lisboa, 11 de Novembro de 2008


A
Abel Barros Baptista, Abel Neves, Abelúcio Gama Silva, Adelaide Teixeira, Adelson Gama, Albina Vaz, Albino Miranda dois Santos, Alcir Pécora (São Paulo), Alda Júlio, Aldemir Gama Silva, Alexandre Pomar, Alfredo Aquino (Porto Alegre), Alice Valente Alves, Alice Vieira, Alina Maria Avelino da Fonseca e Sousa Marcelino, Altair Gama da Silva, Álvaro Ribeiro Mateus, Amélia Pais, Américo António Lindeza Diogo, Ana Almeida, Anabela Almeida, Ana Cardoso Pires, Ana Catarina Gualberto, Ana Catarina Rocha, Ana Cristina Leonardo, Ana Luísa Amaral, Ana Maria Lopes, Ana Maria Pereirinha, Ana Martins, Ana Matos Pires, Ana Patrício, Ana Pegado, Ana Pires, Ana Prata, Ana Sofia Couto, André Benjamim, André Fernandes Jorge, André Ferreira, André Pereira, António Amaral, António Barbosa Topa, António Branco, António Caro, António Fernandes, António Gama Silva, António Jorge Gonçalves, António José de Almeida, António José Martins, António Lopes, António Manuel Hespanha, António Matos Gomes, António Néu, António Paulo Gonçalves Pereira Rato, Antonio Sáez Delgado, António Sena, António Teixeira, António Vieira, Arnaldo Cimas, Augusto M. Seabra
B
Baptista-Bastos, Bárbara Assis Pacheco, Bruno Silva
C
Caetana Pires da Silva, Cândida Cadavez, Carina Infante do Carmo, Carla Maia de Almeida, Carla Norte Braga, Carlos Alberto Augusto, Carlos Araújo de Lima Alves, Carlos Bessa, Carlos Câmara Leme, Carlos Couto Sequeira Costa, Carlos Eduardo Gouveia, Carlos Gil, Carlos João Correia, Carlos Manuel Ferreira da Cunha, Carlos Paulo, Carlos Severino, Catarina Barros, Catarina Lizardo da Cruz, Catarina Sousa Carvalho, Cátia Teles e Marques, Cecília Andrade, Cecília Barreira, Cecília Figueiredo, Clara Boléo, Clara Rowland, Cláudia Madaleno, Clementina Miranda, Conceição Eugénio, Cristiana Vasconcelos Rodrigues, Cristina Moreno (Brasil), Cristina Nobre, Cristina Norton, Cristóvão de Aguiar
D
Dalila Cabrita Mateus, Daniel Blaufuks, Daniel Ferreira, Diná Félix, Diogo de Arriaga e Cunha Matos Chaves, Diogo Carneiro de Almeida, Duarte Matos Chaves, Duarte Pestana
E
Edgard Pereira (Belo Horizonte), Eduardo Emídio Pimentel d'Azevedo Monteiro, Eduardo Pitta, Eduardo Sterzi (São Paulo), Elisabete França, Elsa Lopes, Emília Ferreira, Eunice Aparecida João (Brasil)
F
Fabiano Botelho, F. Almeida Ribeiro (Estugarda), Fátima Lopes, Fátima Maldonado, Fernanda França Garrido, Fernanda Leitão (Toronto), Fernanda Mira Barros, Fernando Cabral Martins, Fernando Camilo Ferreira, Fernando J. B. Martinho, Fernando Luís Sampaio, Fernando Martins, Fernando Matos Oliveira, Fernando Venâncio (Amsterdam), Fernando Villas-Boas, Filipa Ferreira da Silva, Filipa Jalles, Filipa Jorge Teixeira, Filipe Canas da Silva, Filipe Guerra, Filipe Nunes Vicente, Firmino Mendes, Francisco Barata, Francisco Belard, Francisco Fortunato, Francisco Guimarães Cunha Leão, Francisco José Viegas, Francisco Mascarenhas de Lemos, Francisco Moura, Francisco Teixeira da Mota
G
Gabriele Giuga (Itália), Gerónimo Pizarro, Gil de Carvalho, Gonçalo Bilé, Gonçalo Madail, Gonçalo M. Tavares, Guilherme Fajardo (Brasil), Guilherme Pires, Guilhermina Mota, Gustavo Rubim
H
Heitor Araújo, Hélder Marques, Helder Moura Pereira, Helena F. Monteiro, Helena Langrouva, Helena Pato, Helena Roseta, Helena Vasconcelos, Helga Moreira, Hélia Correia, Henrique Cayatte, Henrique Segurado, Henrique de Sousa Lara, Horácio Torres Peixoto, Hugo Neves, Hugo Santos
I
Ilídio Silva, Inês Guerreiro, Inês Pedrosa, Isabel Alves, Isabel Lopes,Isabel Margarida Pereira, Isabel Maria Costa Neto Figueiredo, Isabel Nunes, Isabel Zuzarte Guedes
J
Jaime José Morais, Jaime Loff, Jaime Rocha, J. L. Saldanha Sanches, Joana Capucho, Joana Cintra Gomes, Joana Garcia Morais, Joana Matos Frias, Joana Villaverde, Joana Pontes, João Amaral Neto, João Arsénio Nunes, João Barroso Soares, João Bigotte Chorão, João Carlos Alvim, João Carlos Callixto, João Charters Monteiro, João Botelho, João Madureira, João Filipe Bugalho, João Gonçalves, João Jacinto, João Maciel, João Manuel Martins de Abreu, João Maria Ferreira de Almeida Brito, João Minhoto Marques, João Nunes Sales Machado, João Paulo Serra Correia, João Paulo Sousa, João Rasteiro, João Reis Ribeiro, João Tigeleiro, Joaquim Carlos da Rocha Santos, Joaquim M. Margarido, Joaquim Vieira, Joel Alexandre Rosa Dias, Jorge Barros, Jorge Fernandes da Silveira (Rio de Janeiro), Jorge Figueiredo Santos, Jorge Girão, Jorge Henrique Bastos (Brasil), Jorge Martins Trindade, Jorge Silva, Jorge Vicente, Jorge Vila Nova, José Amaro Dionísio, José António Almeida, José António Bastos Neiva Vieira, José Carlos Alvarez, José Carlos Pereira, José Couto Nogueira, José Duarte, José Eduardo Agualusa, José d'Encarnação, José Fanha, José Fonseca e Costa, José Luis Pinto, José Manuel Martins, José Manuel da Silva Mendes, José Manuel Sobral, José Maria Varela Carrilho, José Mário Branco, José Marques dos Santos, José Miranda Justo, José Picas do Vale, José Riço Direitinho, José Sarmento de Matos, Juan Manuel Bonet (Madrid), Júlia Coutinho
L
Laura Castro Caldas, Laura Mateus Fonseca, Leila Perrone-Moisés (Brasil), Leonel Brim, Leonoreta Leitão, Leonor Gomes, Leonor Silva e Sousa, Levi Condinho, Libânio Figueiredo, Liberto Cruz, Lidija Kolovrat, Lis Motta (Brasil), Lourenço Charters, Luisa Barbosa, Luísa Costa Gomes, Luisa Jacobetty, Luisa Lima, Luís Alberto Alves, Luís Amaro, Luís Barata, Luís Bellegarde Machado, Luís Carlos de Almeida, Luís Broegas Amaro, Luís Cilia, Luís F. Castanheira Lopes, Luís Francisco Rebello, Luís Frias, Luís Gomes, Luis Manuel Gaspar, Luís Maria Morais Varela de Brito (Ilha de Moçambique), Luís Mourão, Luis Novaes Tito, Luís Pedro Nunes, Luís Soares, Luís Sobreira, Luiz Fagundes Duarte
M
Mafalda Ivo Cruz, Mafalda Lima, Mafalda Pedroso, Manuela Correia Dias Fernandes, Manuela Encarnação, Manuela de Freitas, Manuela Gonçalves, Manuela Oliveira, Manuela Parreira da Silva, Manuela Vaz, Manuel Anselmo Cadavez, Manuel António Pina, Manuel Cruz, Manuel Horta, Manuel Margarido, Manuel da Silva Ramos, Mara Motta (Brasil), Marcelo Correia-Ribeiro, Margarida Gil, Margarida Silva-Dias, Mariana Pedro, Mariana Pinto dos Santos, Maria d'Aires Silva Carmo, Maria Alzira Seixo, Maria Andresen, Maria Antónia Oliveira, Maria Ascensão Morais Varela, Maria do Carmo Gouveia de Almeida Dias, Maria do Carmo Nobre, Maria Cassilda Araújo Maceira, Maria Cecília Basílio, Maria do Céu Pimentel de Figueiredo, Maria da Conceição Caleiro, Maria Cristina Albuquerque, Maria de Fátima Carmo, Maria da Graça Frois, Maria Graciete Besse, Maria Helena Lisboa, Maria João Costa, Maria João Lello Ortigão de Oliveira, Maria João M. Pires, Maria João da Rocha Afonso, Maria Jorge, Maria José Catarino, Maria José Guerra, Maria de Lourdes Sampaio, Maria Lúcia Dal Farra (Brasil), Maria Madalena Botelho, Maria Manuel Lisboa (UK), Maria Manuel Silva, Maria Manuela Dias, Maria Nobre Franco, Maria da Paz Morais Varela de Brito, Maria da Piedade Ferreira, Maria do Rosário Baeta da Veiga, Maria do Rosário Campos, Maria do Rosário Morais Font, Maria do Rosário Pedreira, Maria Susana San Payo de Lemos, Maria Tengarrinha Dias Coelho Brito, Maria Teresa Horta, Maria Teresa Zilhão, Maria Velez, Mário Bandeira, Mário Guerra Cabral, Mário José Félix, Mário Lisboa Duarte, Mário Morais Roldão, Marta J. S. M. Bugalho Aragão de Barros, Marta Viegas, Mateus Vaz Pinto de Souza Araújo, Michel Grasset, Miguel Branco, Miguel Bugalho, Miguel Dias Fernandes, Miguel Falcão, Miguel Motta Neto (Brasil), Miguel Paixão Nabinho, Miguel Serras Pereira, Miguel Wiseman
N
Nelson Correia Borges, Nelson de Matos, Nuno Artur Silva, Nuno Cartaxo, Nuno Freire de Andrade, Nuno Ivo, Nuno Miguel da Cruz Marques, Nuno Miguel de Resende Jorge Mendes, Nuno Pacheco, Nuno Vidal
O
Olga Gama, Olinda dos Anjos da Fonseca Gaspar, Osvaldo Castro, Osvaldo Manuel Silvestre, Ozias Filho
P
Patrícia Gonçalves, Patrick Quillier (França), Paula Cabeçadas, Paula Cristina Marques, Paula Raposo, Paula Santa-Rita, Paulo Almeida, Paulo Cintra Gomes, Paulo Ferreira, Paulo Ferrero, Paulo Franchetti (Campinas), Paulo J. B. Silva, Paulo Pena, Paulo Simões Mendes, Pedro Almeida Vieira, Pedro Craveiro Lopes Cortez de Lobão, Pedro Eufrásia, Pedro Garcia, Pedro Júdice da Costa, Pedro Lorena Santos, Pedro Mexia, Pedro Miguel Gon, Pedro Miguel Valadares, Pedro Morais, Pedro Moura Bessa, Pedro Schacht Pereira (USA), Pedro Serpa, Pedro Serra (Salamanca), Pedro Sobral, Perfecto E. Cuadrado (Espanha), Petar Petrov
R
Rafael Mota Miranda (Florianópolis), Raquel Prata, Raquel Vasconcelos, Raul Lourenço, Reis Morais, Renata de Azevedo e Silva (Brasil), Ricardo Ribeiro, Rita Basílio, Rita Ferro, Rita Peres, Rita Salgueiro, Rita Sousa, Robert Bréchon (França), Roberto Vecchi (Bologna), Rocha de Sousa, Rodrigo Lopes Jacinto, Rodrigo Vilhena, Rosa Maria Martelo, Rosângela Baptista (Brasil), Rosa Oliveira, Rose Marie Grasset, Rui Aleixo, Rui Alexandre Rocha, Rui Baião, Rui Bebiano, Rui Breda, Rui Caeiro, Rui Cóias, Rui Costa Pinto, Rui Fonseca, Rui Guerra, Rui Manuel Amaral, Rui Manuel Galvão, Rui Mota, Rui Ramos Pinto, Rui Tavares, Rute Maria Miranda dos Santos, Ruth Correia
S
Sally Baker (USA), Sandra Mendes, Sandra Silva, Sara A. Costa, Sara Afonso Ferreira, Sara Figueiredo Costa, Sarah Adamopoulos, Sara Ludovico (Banguecoque), Sara Pereira, Sara Pessegueiro, Sebastião Cabral Moncada, Simão Rubim, Sofia Fragoso Pires, Sofia de Oliveira Paixão, Sónia Bernardo, Stefano Maria Osório Nigra, Susana Borges, Susana Quaresma, Susana Ruano, Susana Santos, Suzana Guedes de Amorim, Suzana Simões Reis Alves Ramos
T
Tânia Raposo, Teresa Figueiredo de Carvalho, Teresa Font, Teresa Garcia, Teresa Mónica, Teresa Salema, Teresa Sousa de Almeida, Tereza Coelho, Tiago Costa, Tiago Sousa Garcia, Tomás Vasques, Torquato da Luz
V
Vasco Rosa, Vasco Simões de Oliveira, Veronica Stigger (São Paulo), Vicente Ferreira da Silva, Vincenzo Russo, Violante F. Magalhães, Viriato Teles, Vítor Manuel Coelho da Silva, Vitor Silva Tavares, Vladimir Kotz
X
Xavier Araújo
W
Walquíria Motta (Brasil)


Quer assinar também? Basta clicar aqui, escrever o que lhe apetecer, ou simplesmente a palavra assino.

JOÃO BIGOTTE CHORÃO

Se avaliamos a árvore pelos frutos, também é pela obra produzida que conhecemos alguém. Essa obra pode ser de criação ou traduzir-se por uma lição de bom gosto, literário e gráfico. Há muito que Joana Varela se distingue pela excelência das publicações em que põe todo o seu empenho. De tal modo que nelas se harmonizam as belas-letras e as belas-artes.

João Bigotte Chorão

JMV & PAVIA


Joana Morais Varela preparando um dos números da Colóquio/Letras que não vão sair: Cristovam Pavia e os Católicos dos Anos 50 e 60. A fotografia (clique na imagem para aumentar), da autoria de Francisco Borba, foi tirada no sótão da casa de Xico António Flores Lahmeyer Bugalho e João Filipe Flores Lahmeyer Bugalho, onde ficava o quarto de Cristovam Pavia [1933-1968] na Quinta das Palmeiras, em Castelo de Vide. O espaço é evocado no poema O Sótão, um dos que integra o volume 35 Poemas, Lisboa: Moraes Editores, coleção Círculo de Poesia (1959).

LMG & PAVIA


O desenho de Luis Manuel Gaspar dá uma perspectiva da Quinta das Palmeiras, em Castelo de Vide, onde vivia o poeta Cristovam Pavia [1933-1968] a quem seria dedicado um dos próximos números da Colóquio/Letras.

MARCELO CORREIA-RIBEIRO

«Declaração de interesses: sou um leitor avulso e pagante da Colóquio/Letras. Desde o primeiro número ou quase. Nunca privei com nenhum director nem isso me foi necessário para gozar a magnífica revista.

Conheci a Drª Joana Varela em casa do meu amigo João Rodrigues mas, a falar verdade, não recordo nada e se a vir na rua não a reconhecerei. Ter-me-ei cruzado com ela nos lúgubres corredores da Secretaria de Estado da Cultura quando fui oficial desse ofício (na Delegação Regional do Norte, que um poder imbecil transferiu para Vila Real e um poder ainda mais totó lá manteve).

Sei da actividade de Joana Varela por lhe ler o nome na revista primeiro como especial colaboradora do Director David Mourão-Ferreira e depois como directora.

Dito isto passemos ao que interessa: o pequeno círculo de leitores entusiastas da Colóquio entrou em parafuso: ao que parece Joana Varela é actualmente alvo de um processo disciplinar presumindo-se que, como vem sendo (mau e triste) hábito seja afastada da direcção da revista porque isto de processos disciplinares (mesmo na veneranda Gulbenkian...) acaba as mais das vezes mal.

E acaba mal porque, mesmo quando o processo morre na praia, o processado fica numa situação difícil. Sobretudo nesse mundo “feutré” das gulbenkians et alia. Ora, ao que parece, os motivos contra Joana assentam em pouco ou quase nada. Não a acusam de ouvir vozes mas apenas de desprezar o público. O público que em carradas e carretas se precipitava para comprar a revista mas que perante o revoltante aspecto elitista da mesma fugia a sete pés e se punha a ler furiosamente a Lux e a Gente.

Ora a Gulbenkian, a quem devo umas bolsas simpáticas para uma inutilidade elitista que em seu tempo se chamou Curso Superior de Direito Comparado, quer ser popular, pipolar, bipolar e não sei que mais. A Gulbenkian parece estar a tentar redescobrir outros mundos que não os que fizeram a sua merecida fama. Vai daí resolveu mostrar à cidade e ao mundo que os seus novos colóquios irão ser os dos simples (e não me refiro ao Garcia da Horta, nada disso), a vulgata. Ou seja, a Gulbenkian nivela por baixo. E nesse nivelar revolucionário lá se vai a cabeça de Joana. Antes isso que um fogo purificador como sucedeu à outra, a da história, a que ouvia as vozes. Antes isso que a queima de livros que antecipou outras queimas mais sinistras.

Já disse que não conheço a Dr.ª Joana Varela de parte alguma. Não sou amigo dela, duvido que alguma vez o venha a ser, vivendo como vivo noutra cidade, mas tenho pela personagem a moderada simpatia que costumamos ter pelos editores dos jornais e revistas que nos vão acompanhando. E a duzia de belos volumes que aqui conservo desde 1996 e que são da responsabilidade directa dela obrigam-me a tomar posição numa guerra que só é minha por motivos de interesse público, cívico e cultural.

Tentei saber se atrás dos pecadilhos veniais, demasiado veniais, que se apontavam outros existiam, mais fortes e mais sérios. Da Gulbenkian apenas surde um espesso e inquietante silêncio e de gente que conheço de nome, de escrita ou pessoalmente e por quem tenho (pelo menos) consideração vou lendo uma forte solidariedade com Varela.

Vou dar o nome para um abaixo assinado que por aí corre mas, macaco velho e de rabo pelado, entendo que desta modesta mas honrada trincheira também se pode disparar uma salva de mero aviso. À Gulbenkian para que não perca a sua alma. A quem de direito para pensar bem no que deve e não deve fazer. Ao público para que este saiba o que se passa no mundillo cultural. aos meus amigos para, querendo, juntarem a sua limpa voz à minha. O que se faz.»


Fonte: Incursões

JOSÉ MANUEL MARTINS

«A directora da iluminada revista Colóquio-Letras, edição da Gulbenkian, fertilizando a bela arte & a literatura indígena tantos anos a fio, numa sublime quanto apaixonada lealdade poética, foi dispensada do culto da obra e da qualidade do luxo, coisa que francamente o provincianismo da paróquia detesta. O portentoso duo Vilar & Grilo consentiu a ignomínia. E não satisfeitos com o tumulto instalado, nada incomodados com o desalento que resta entre os leitores da (singular) revista, avançaram para o “despedimento com justa causa” da Joana Morais Varela, a pretexto de susceptibilidades, presumidamente, mais ou menos prosaicas. O respeito e gratidão que se devem à directora da Colóquio – e que constituem a nobreza dos homens – não foram, decerto, contemplados. Mas não deixam de ser o genuíno sentimento dos seus leitores e admiradores. Obrigado, Joana!

“Cresce uma voz do nada para logo se calar. Suponho que o lugar de verdade para que somos remetidos é o ponto de silêncio, como se fala do ponto de fusão, como se fala do zero. Donde só é possível gritar: penso que gritas uma espécie de palavras ou de urros ou de silêncio, do silêncio mais escuro de que as vozes são capazes. Só pelo poço mais fundo da noite, na brecha última da última garganta a tua. Por isso essa história incrível.

(As histórias de amor são impossíveis: nunca se parte para nada e estamos sempre de volta à nossa perdição.)”

[Joana Morais Varela, 19/11/1978, in revista Abril, n.º 9, Novembro 1978, p. 44]»

Fonte: Almocreve das Petas

ANA CARDOSO PIRES

«Leitora habitual da “revista”, tive um único contacto de trabalho com a directora, que me deixou a melhor das impressões, tanto do ponto de vista pessoal como profissional. Se quer acabar com a revista, a Gulbenkian tem todo o direito de o fazer (na linha de outras atitudes assumidas pela Fundação que em nada beneficiam o país e a cultura, é certo — mas não se trata de um organismo estatal…). Sacrificar uma pessoa competente e dedicada, avançando ainda por cima suspeitas de incúria, entra no domínio da indignidade.

Na minha opinião de utilizadora, a Colóquio/Letras continua sendo uma revista cultural sem par no país e a sua directora merece o maior respeito e consideração nessa sua função. Espero que a justiça à intervenção cultural de Joana Varela não se limite a um procedimento burocrático — prejudicará a visada, se é essa a intenção; mas deixará sobretudo uma nódoa muito negra na imagem da Administração da Fundação.»


Fonte: Ana Cardoso Pires, 2 Dedos de Conversa

PAULO FRANCHETTI

«Os autores brasileiros e portugueses que tiveram o privilégio de ser o foco de uma edição especial da Colóquio, em primorosas edições que marcaram época, provavelmente assinariam conosco, os colaboradores eventuais da obra de Joana Varela, este documento contra o que parece ser a redução a um caso contábil ou a um episódio de indisciplina — e para extingui-la — uma ação conseqüente a favor da cultura comum, que se estendeu ao longo de décadas. Não posso assinar senão em meu nome desprotegido. Mas não posso deixar de imaginar que, junto com ele, de alguma maneira, compareçam aqui os autores portugueses aos quais devotei longos anos de estudo: Eça de Queirós, Oliveira Martins, Camilo Pessanha, António Nobre, Antero de Quental e Camilo Castelo Branco. A nenhum desses passaria sem uma palavra de espanto ou de tristeza o que ora sucede na Gulbenkian.»

Paulo Franchetti, Universidade de Campinas, Brasil

MANUEL MARGARIDO


«Não quero saber dos detalhes, da teia de desentendimentos, de ressentimentos, de zangas, que deram origem à suspensão preventiva de funções e instauração de um processo disciplinar tendo em vista ‘o despedimento com justa causa’ da Directora da revista Colóquio/Letras, Joana Morais Varela.

Antes quisesse. Antes me embrenhasse nesses meandros, para de novo encontrar motivos de vergonha pelo meu país, triste forma de estar alerta. É um sentimento estranho este: doer-nos de vergonha uma entidade abstracta, um país. Um sentimento absurdo, também: porque, se algum motivo de orgulho nos redimia da triste vida cultural portuguesa, ele tinha casa e morada na Fundação Gulbenkian. Em outros lugares, decerto. Mas era aqui o seu castelo. Uma torre alumiada em pleno turvo charco salazarista.

Na Fundação fazia-se a única revista literária inquestionável em Portugal. Abdique-se dos adjectivos, por ser substantivo o assunto: não conheço nenhum paralelo editorial comparável à Colóquio/Letras. Em lugar nenhum em civilizadíssimas nações. Tenho, aqui atrás de mim, as 14 caixas da Colóquio (1959-72), publicadas antes da cisão que deu origem à defunta Colóquio/Artes e à agora condenada Colóquio/Letras, também ela atrás de mim. E posso avaliar. Posso e devo dizer que era com grande alegria que o meu tio, João Bação Leal, (pai do José Bação Leal, poeta de quem um dia falarei) a comprava, lia cuidadosamente — e com cuidado — para não estragar. (Já quando só era Colóquio se lhe acusava o ‘luxo’, as impressões a cores especiais, como o dourado, uma luxúria numa revista, os tempos convidavam a mostrar austeridade). Do meu tio herdei a Colóquio. Eu continuei com a Colóquio/Letras. Porque me ajudava a perceber o essencial: a literatura como um território outro, pregnado da experiência humana nas suas infinitas, incomensuráveis, improváveis e maravilhosas expressões.

A Colóquio/Letras era uma revista desmesuradamente ‘luxuosa’? Era, claro que era. Tinha de ser! Porque nada naquele ‘luxo’ se revelava deslocado ou gratuito; correspondia integralmente à liberdade editorial, ao crescente impulso para os números temáticos que faziam literalmente conhecer de novo autores e passar a amá-los só porque assim nos eram apresentados; conjugava-se com o ‘luxo’ de um editing anormalmente rigoroso, sem tradição no nosso país.

À minha frente está o duplo número 145/146, Julho-Dezembro 1997. Infinito Pessoal • homenagem a David Mourão-Ferreira 1927-1996. [v. imagem ao alto] Eram precisas fotografias tão boas? Eram necessários extra-textos tão raros, perfeitos, caros? Tantos papéis diferentes? Tão boa impressão e acabamento? Era indispensável que até a Bibliografia Activa do autor fosse ilustrada? Era! Por muito que alguém gostasse do escritor, aquela revista permitia ‘estar com ele’. Conhecer-lhe o corpo. A mão. A caligrafia. Os olhos cansados de bondade. Cansados de alegria.

Ah, mas em Portugal a competência também cansa. Com um processo disciplinar e uma ‘justa causa’ despede-se a competência. Essa raridade, que deve andar com trela. Essa lebre a abater.»

Fonte: As folhas ardem

OSVALDO MANUEL SILVESTRE


«Sempre me impressionou o número de pessoas que, no meio literário, era capaz de fazer restrições à obra de Joana Varela à frente da Colóquio/Letras. O argumento era sempre o mesmo e era, digamos, virtuoso: «Para quê tanto luxo?» Outros, reivindicando outra família de virtudes, sugeriam que a Colóquio de antigamente é que era: sóbria, regular e dirigida por grandes académicos.

A este segundo argumento, que supõe uma Idade de Ouro da Colóquio que teria sido também a dos estudos literários em Portugal, convém responder sem grandes delongas que tal Idade de Ouro, muito simplesmente, nunca existiu. A Colóquio de Joana Varela era substancialmente superior na concepção global dos números, nos ensaios, no rigor e na transparência de actuação, à dos primórdios. Basta comparar. Não vale aliás a pena perder tempo e energia a inventar um Passado Grande para os nossos estudos literários, pois a verdade — e a ironia amarga da História — é que nunca tivemos uma geração, ou uma coincidência epocal de gerações, tão apetrechada como hoje. A um professor de estudos literários na universidade o que custa hoje é assistir ao desperdício de uma geração tão qualificada, e proficiente no seu domínio dos códigos da profissão, como nunca houve. E a Colóquio de Joana Varela dá a ver isso, com notável acuidade, na forma como soube acolher uma série vasta de novos autores, sem sectarismos em favor de novos ou menos novos.

Acresce que com Joana Varela a Colóquio deixou de ser uma revista em que se enfeixavam ensaios díspares para ser um projecto intelectual, artístico e patrimonial coerente, no sentido mais denso da palavra. Ou seja: criativo e interdisciplinar. Porque a Colóquio foi com Joana Varela um grande revista literária, estatuto que antes não podia reivindicar: vide por exemplo a extraordinária série «terminal» dos 5 volumes dedicados ao David Mourão-Ferreira tradutor. E isto sem deixar de ser institucional, como a Colóquio sempre foi e como o foi, com Joana Varela, sem vergonha.

Finalmente, com Joana Varela, as práticas de edição da Colóquio ganharam um rigor sem par provavelmente em todo o mundo: na verificação das citações, da bibliografia, ou na correcção dos textos publicados. Sei que muita gente se queixava de que as correcções lhe «estragavam o estilo» (há sempre demasiada gente a reivindicar-se um estilo). Por mim, que aspiro mais à gramática do que ao estilo, devo dizer que as correcções que me foram sugeridas nos textos, aliás em número escasso, que lá publiquei (escassez de que sou o único responsável), melhoraram quase sempre os meus textos, coisa que só posso agradecer. Assim como agradeço a honestidade de quem não fazia correcções às escondidas, recusando-se a uma prática cómoda mas pouco decente.

Quanto ao «luxo», devo notar que sempre me surpreendeu uma tal acusação provinda de pessoas que, na sua esmagadora maioria — refiro-me aos cultores das Humanidades — revelam uma flagrante incultura visual e gráfica. Quem tenha dúvidas só tem de percorrer as publicações que na Universidade passam por «sóbrias» ou — pior ainda — «clássicas», e em que por sistema se confunde esses epítetos com pobreza gráfica. No lançamento da Colóquio/Letras online António Feijó falou da revista como uma coisa única em todo o mundo, i.e., um objecto gráfico sem par. Tenho dificuldade em perceber por que razão não nos conseguimos orgulhar o bastante de uma tal realização, denegrindo-a sob a acusação ínvia e mesquinha do «luxo».

De uma coisa não tenho porém dúvidas: estamos mais pobres, sem a Colóquio que Joana Varela imaginou e, em acepção forte, produziu. Mas como sempre, só o vamos perceber plenamente daqui a um tempo.»

Fonte: Os Livros Ardem Mal

UM DESPEDIMENTO É UM DESPEDIMENTO


Ana Cristina Leonardo: «O caso Joana Varela: porque um despedimento é um despedimento mesmo quando se dá em ambiente sofisticado e com vista para o jardim.»

André Moura e Cunha: «Depois de ter lido isto e isto [...] germinou em mim uma vontade incomensurável de falar, de gritar, de exteriorizar a revolta que casos como este e similares me provocam, me revolvem as entranhas e me fazem, por vezes, estiolar em palavras de desprezo perante este país de capelinhas e sacristias, onde uma pequena turba de oligarcas dedilha os fios que fazem mover os nossos braços e pernas como se fôssemos marionetas. [...] Sem conhecer a visada, e tão-pouco vislumbrar a hipótese de algum dia a poder vir a conhecer; sem conhecer o processo em causa, mas divisando, infelizmente, os contornos que por ora assume e que, mais tarde, irá decerto assumir, gostaria de manifestar a minha solidariedade a Joana Morais Varela, que de um momento para outro se viu despojada de um projecto que erigiu e ajudou a retirar, em definitivo, a Colóquio/Letras dos escombros da ociosa intelectualidade lusa. [...]»

João Gonçalves: «A Fundação Gulbenkian, dirigida pelo venerável Vilar [...] prepara-se para despedir Joana Varela. Para quem não sabe, Varela é a directora da Colóquio-Letras, umas das poucas revistas dignas do epíteto de “literárias”, recentemente colocada online desde o primeiro número. Antes dela, a revista foi dirigida por gente tão notável como Hernâni Cidade, David Mourão-Ferreira e Jacinto do Prado Coelho. Joana Varela soube estar à altura destes homens mas não escapou ao “modismo” a que nem a Gulbenkian de Vilar (um administrador profissional do regime), Marçal Grilo (o profeta da educação de Guterres), Teresa Patrício Gouveia (antiga e insignificante SEC) ou Isabel Mota (uma “manelista” do PSD) souberam fugir. A Gulbenkian foi invadida pela praga do “multiculturalismo”. Vão longe os idos de 96, 97 e 98 quando se organizaram os magníficos seminários internacionais sobre a Europa que trouxeram a Lisboa Steiner, Shama, Furet, Finkielkraut, Romilly, Vidal e outros. Joana Varela não deve servir para “acompanhar” estes tempos da propaganda “multicultural” ligada a essa miragem “correcta” que são os chamados “países emergentes”. E é natural que Rui Vilar queira ver no seu lugar — e, por consequência, a “escrever” uma outra Colóquio-Letras mais “adequada” a terceiros-mundismos “emergentes” e petrolíferos — um seu antigo colaborador na Culturgest, António Pinto Ribeiro, o verdadeiro “Pinto Ribeiro”, aquele que nunca chegou a receber o telefonema certo para ir para a Ajuda pastorear a Cultura de Sócrates. O método para remover Joana Varela é o do costume e nada “multicultural”: o competente processo disciplinar com vista à aplicação da sanção que se mostrar adequada e na qual desde já se declara incluir-se o despedimento com justa causa, acompanhado da “suspensão preventiva” da arguida não vá ela virar a “louca da casa”. Há coisas que nunca mudam.»

João Reis Ribeiro: «[...] Só quem não saiba o que é a Colóquio-Letras pode ignorar a importância revista para o panorama cultural, e sobretudo literário, português. Só quem não saiba o que Joana Morais Varela tem investido na qualidade da revista pode aceitar esta situação de braços caídos e com indiferença e entender que um alegado convite para integrar um Conselho Editorial de uma outra revista da Fundação não soava a despromoção. Como refere Pitta, “isto não pode estar a acontecer”! Fica a pena pela interrupção no decurso de um número que estava a ser preparado com a correspondência de Sebastião da Gama para os amigos e de muitas outras ideias que corriam à frente de Joana Morais Varela para temas da revista. Fica a pena por tudo isto poder indiciar o fim de uma das mais interessantes revistas culturais do país (obviamente feita por uma instituição com posses, mas também por um corpo de colaboradores de referência e com uma qualidade estética e de conteúdos notável). Isto não pode estar a acontecer, pois!»

José Mário Silva: «[...] há mosquitos por cordas na Av. de Berna. Não conhecendo Joana Morais Varela, nem as circunstâncias exactas do conflito com Marçal Grilo, temo apenas que as ondas de choque deste caso afectem a Colóquio/Letras, talvez a ponto de a conduzir ao mesmo destino que tiveram a Colóquio/Artes e o Ballet Gulbenkian.»

Luís Mourão: «A Colóquio Letras é, desde há vários anos a esta parte, a melhor revista de literatura portuguesa que se edita entre nós. Parte fundamental desse estatuto deve-se à direcção de Joana Morais Varela. É com estupefacção que leio notícias sobre o afastamento de Joana Morais Varela do seu cargo e instauração de processo disciplinar em sequência da sua reacção. Não sei que novo projecto a administração da Fundação Gulbenkian poderá ter para a Colóquio Letras e como pode dar-se ao luxo de prescindir de alguém que realizou o trabalho que Joana Morais Varela realizou. Para já, tudo indica estarmos perante uma má notícia para o estudo da literatura portuguesa e um caso de manifesto esbanjamento de recursos humanos especialmente qualificados.»

Pedro Vieira: «há um cheiro a esturro na fundação gulbenkian. [...]»

Ruy Ventura: «A direcção poderia ter sido substituída, mas o fim anunciado da revista Colóquio/Letras na sequência da extinção da Colóquio/Artes, deixa-me preocupado com o caminho que vem seguindo a Fundação Calouste Gulbenkian, empurrada pelos seus directores. Sei bem que, nalguns aspectos, a revista perdeu o carácter de proximidade de outros tempos, em prol de um povoamento demasiado académico ou demasiado enfeudado a certos grupos ou tendências, geralmente influentes e bem relacionados. Se o “cinzento” do passado não correspondia a desinteresse, o “luxo” do presente não correspondia totalmente a elevação. Mas acabar com a revista, se se confirmar, será mais um sintoma do apodrecimento das linhas de comunicação da Cultura portuguesa. Neste momento, ficam-me duas preocupações, referentes a dois números futuros (?) desejados por muita gente. Sairão ainda as cartas de Sebastião da Gama e o volume de homenagem ao poeta Cristovam Pavia? Se a resposta for negativa, ficaremos todos a perder.»

De olhos bem fechados: «[...] Este país é uma verdadeira tristeza.»

COM JUSTA CAUSA?


Na sequência do que revelo aqui sobre o afastamento de Joana Morais Varela da Colóquio/Letras, transcrevo passagens da notificação de processo disciplinar, assinada pelos administradores Isabel Mota e Eduardo Marçal Grilo:

«No dia 6 de Novembro de 2008, a Administração da Fundação Calouste Gulbenkian tomou conhecimento que, nesse mesmo dia, a Sra. Dra. Joana Morais Varela, Directora da Revista Colóquio Letras, enviou uma comunicação a todos os trabalhadores da Fundação, ao próprio Conselho de Administração e aos colaboradores externos e consultores da Instituição. Essa comunicação contém diversas afirmações e expressões de carácter injurioso, dirigidas aos diferentes membros da Administração [...]

Dado que este comportamento representa uma grave infracção disciplinar, a Administração da Fundação não pode permitir que o mesmo deixe de ter as inevitáveis consequências, sendo assim forçada a determinar a abertura do competente processo disciplinar [...] com vista à aplicação da sanção que se mostrar adequada e na qual desde já se declara incluir-se o despedimento com justa causa.

Para instrutor do processo é nomeado o Sr. Dr. Pedro Furtado Martins, advogado
[...]

[...] A circunstância de a infracção disciplinar ter sido praticada de modo reiterado [...] aliada ao facto de não ter sido materialmente possível elaborar de imediato a nota de culpa, justificam ainda que, desde já, se determine, nos termos e para os efeitos do artigo 417.º do Código do Trabalho, a suspensão preventiva da Sra. Dra. Joana Morais Varela, sem perda de retribuição e das demais condições inerentes ao exercício das suas funções.»

Fonte: Eduardo Pitta, Da Literatura.
Ilustração de Pedro Vieira.

ISTO NÃO PODE ESTAR A ACONTECER


«Joana Morais Varela foi ontem notificada, com efeitos imediatos, de que deixa de dirigir a Colóquio/Letras, da Fundação Calouste Gulbenkian. Os leitores da revista sabem que a Joana está lá desde 1988, tendo sido sucessivamente assistente da direcção, directora-adjunta e, desde o n.º 142 (1996), directora. Foi ela que transformou uma revista cinzenta num objecto de prazer. Sei bem do que falo porque escrevi na revista entre 1980 e 2005 (comecei no n.º 54, quando era seu director Jacinto do Prado Coelho), ali tendo publicado poesia, ensaio e crítica, revelando autores novos que de outro modo só muito mais tarde acederiam a uma publicação com aquele perfil. Porém, Eduardo Marçal Grilo, o administrador responsável, terá em vista outro modelo, contando com a sua (dela) presença num Conselho Editorial a haver. Isto, que é objectivamente uma despromoção, não foi aceite. Posta perante o facto consumado, a Joana pôs a circular um comunicado, que distribuiu em mão pelos serviços da Fundação:

“Depois de 25 anos a trabalhar na Fundação Gulbenkian, primeiro como membro do Conselho de Leitura do extinto Serviço de Bibliotecas Fixas e Itinerantes (1983-1988), depois na revista Colóquio/Letras de que sou até hoje directora, fui convidada ontem a mais uma despromoção pelo administrador Marçal Grilo, [...] antigo ministro da Educação [...] a pertencer a um futuro Conselho Editorial de uma futura revista da Fundação, a dirigir certamente por alguém mais do seu agrado e menos incómodo. [...] Não aceitei a oferta do ex-ministro da educação e fui convidada a sair do seu gabinete, depois de ser ameaçada com um processo disciplinar.”

Parece que a ameaça se concretizou ao princípio da noite, com a sugestão implícita de despedimento com justa causa. Motivo? Injúrias. A Joana tem uma personalidade forte, é verdade que tem, mas não estou a vê-la a insultar ninguém. Custa a acreditar que se chegue a este ponto. Depois do encerramento da Colóquio/Artes e do Ballet Gulbenkian, o desaparecimento da Colóquio/Letras é uma notícia difícil de qualificar. E o que está a acontecer com a Joana não podia estar a acontecer.»

Fonte: Eduardo Pitta, Da Literatura.