OSVALDO MANUEL SILVESTRE
«Sempre me impressionou o número de pessoas que, no meio literário, era capaz de fazer restrições à obra de Joana Varela à frente da Colóquio/Letras. O argumento era sempre o mesmo e era, digamos, virtuoso: «Para quê tanto luxo?» Outros, reivindicando outra família de virtudes, sugeriam que a Colóquio de antigamente é que era: sóbria, regular e dirigida por grandes académicos.
A este segundo argumento, que supõe uma Idade de Ouro da Colóquio que teria sido também a dos estudos literários em Portugal, convém responder sem grandes delongas que tal Idade de Ouro, muito simplesmente, nunca existiu. A Colóquio de Joana Varela era substancialmente superior na concepção global dos números, nos ensaios, no rigor e na transparência de actuação, à dos primórdios. Basta comparar. Não vale aliás a pena perder tempo e energia a inventar um Passado Grande para os nossos estudos literários, pois a verdade — e a ironia amarga da História — é que nunca tivemos uma geração, ou uma coincidência epocal de gerações, tão apetrechada como hoje. A um professor de estudos literários na universidade o que custa hoje é assistir ao desperdício de uma geração tão qualificada, e proficiente no seu domínio dos códigos da profissão, como nunca houve. E a Colóquio de Joana Varela dá a ver isso, com notável acuidade, na forma como soube acolher uma série vasta de novos autores, sem sectarismos em favor de novos ou menos novos.
Acresce que com Joana Varela a Colóquio deixou de ser uma revista em que se enfeixavam ensaios díspares para ser um projecto intelectual, artístico e patrimonial coerente, no sentido mais denso da palavra. Ou seja: criativo e interdisciplinar. Porque a Colóquio foi com Joana Varela um grande revista literária, estatuto que antes não podia reivindicar: vide por exemplo a extraordinária série «terminal» dos 5 volumes dedicados ao David Mourão-Ferreira tradutor. E isto sem deixar de ser institucional, como a Colóquio sempre foi e como o foi, com Joana Varela, sem vergonha.
Finalmente, com Joana Varela, as práticas de edição da Colóquio ganharam um rigor sem par provavelmente em todo o mundo: na verificação das citações, da bibliografia, ou na correcção dos textos publicados. Sei que muita gente se queixava de que as correcções lhe «estragavam o estilo» (há sempre demasiada gente a reivindicar-se um estilo). Por mim, que aspiro mais à gramática do que ao estilo, devo dizer que as correcções que me foram sugeridas nos textos, aliás em número escasso, que lá publiquei (escassez de que sou o único responsável), melhoraram quase sempre os meus textos, coisa que só posso agradecer. Assim como agradeço a honestidade de quem não fazia correcções às escondidas, recusando-se a uma prática cómoda mas pouco decente.
Quanto ao «luxo», devo notar que sempre me surpreendeu uma tal acusação provinda de pessoas que, na sua esmagadora maioria — refiro-me aos cultores das Humanidades — revelam uma flagrante incultura visual e gráfica. Quem tenha dúvidas só tem de percorrer as publicações que na Universidade passam por «sóbrias» ou — pior ainda — «clássicas», e em que por sistema se confunde esses epítetos com pobreza gráfica. No lançamento da Colóquio/Letras online António Feijó falou da revista como uma coisa única em todo o mundo, i.e., um objecto gráfico sem par. Tenho dificuldade em perceber por que razão não nos conseguimos orgulhar o bastante de uma tal realização, denegrindo-a sob a acusação ínvia e mesquinha do «luxo».
De uma coisa não tenho porém dúvidas: estamos mais pobres, sem a Colóquio que Joana Varela imaginou e, em acepção forte, produziu. Mas como sempre, só o vamos perceber plenamente daqui a um tempo.»
Fonte: Os Livros Ardem Mal
A este segundo argumento, que supõe uma Idade de Ouro da Colóquio que teria sido também a dos estudos literários em Portugal, convém responder sem grandes delongas que tal Idade de Ouro, muito simplesmente, nunca existiu. A Colóquio de Joana Varela era substancialmente superior na concepção global dos números, nos ensaios, no rigor e na transparência de actuação, à dos primórdios. Basta comparar. Não vale aliás a pena perder tempo e energia a inventar um Passado Grande para os nossos estudos literários, pois a verdade — e a ironia amarga da História — é que nunca tivemos uma geração, ou uma coincidência epocal de gerações, tão apetrechada como hoje. A um professor de estudos literários na universidade o que custa hoje é assistir ao desperdício de uma geração tão qualificada, e proficiente no seu domínio dos códigos da profissão, como nunca houve. E a Colóquio de Joana Varela dá a ver isso, com notável acuidade, na forma como soube acolher uma série vasta de novos autores, sem sectarismos em favor de novos ou menos novos.
Acresce que com Joana Varela a Colóquio deixou de ser uma revista em que se enfeixavam ensaios díspares para ser um projecto intelectual, artístico e patrimonial coerente, no sentido mais denso da palavra. Ou seja: criativo e interdisciplinar. Porque a Colóquio foi com Joana Varela um grande revista literária, estatuto que antes não podia reivindicar: vide por exemplo a extraordinária série «terminal» dos 5 volumes dedicados ao David Mourão-Ferreira tradutor. E isto sem deixar de ser institucional, como a Colóquio sempre foi e como o foi, com Joana Varela, sem vergonha.
Finalmente, com Joana Varela, as práticas de edição da Colóquio ganharam um rigor sem par provavelmente em todo o mundo: na verificação das citações, da bibliografia, ou na correcção dos textos publicados. Sei que muita gente se queixava de que as correcções lhe «estragavam o estilo» (há sempre demasiada gente a reivindicar-se um estilo). Por mim, que aspiro mais à gramática do que ao estilo, devo dizer que as correcções que me foram sugeridas nos textos, aliás em número escasso, que lá publiquei (escassez de que sou o único responsável), melhoraram quase sempre os meus textos, coisa que só posso agradecer. Assim como agradeço a honestidade de quem não fazia correcções às escondidas, recusando-se a uma prática cómoda mas pouco decente.
Quanto ao «luxo», devo notar que sempre me surpreendeu uma tal acusação provinda de pessoas que, na sua esmagadora maioria — refiro-me aos cultores das Humanidades — revelam uma flagrante incultura visual e gráfica. Quem tenha dúvidas só tem de percorrer as publicações que na Universidade passam por «sóbrias» ou — pior ainda — «clássicas», e em que por sistema se confunde esses epítetos com pobreza gráfica. No lançamento da Colóquio/Letras online António Feijó falou da revista como uma coisa única em todo o mundo, i.e., um objecto gráfico sem par. Tenho dificuldade em perceber por que razão não nos conseguimos orgulhar o bastante de uma tal realização, denegrindo-a sob a acusação ínvia e mesquinha do «luxo».
De uma coisa não tenho porém dúvidas: estamos mais pobres, sem a Colóquio que Joana Varela imaginou e, em acepção forte, produziu. Mas como sempre, só o vamos perceber plenamente daqui a um tempo.»
Fonte: Os Livros Ardem Mal
<< Home