Certamente que todos os que tão generosamente me têm ajudado e à Colóquio/Letras se terão interrogado sobre a ausência do apelido Mourão-Ferreira na lista dos meus amigos. Às 6h.29 do dia 1º de Dezembro de 2008 posso dar-vos a explicação, por palavras e imagens do número 164 da revista, Vozes da Poesia Europeia, II:


FALA DE DON ALVARO DE LUNA,

AO VER-SE JUSTIÇADO

Vi tesouros ajuntados
por grão dano de seu dono:
assim como sombra e sono
são nossos dias contados.
E, se forem prolongados
só com lágrimas, então
nem veremos o que são,
por nossos negros pecados.

Abri, abri vossos olhos;
gentios, olhai pra mim:
quanto vistes, quanto vi,
fantasmas foram aos molhos.
Com trabalhos duvidosos
é que usurpei senhoria:
pois se o foi não era minha,
mas indevidos despojos.

Casa a casa (ai de mim!)
e campo a campo aumentei:
coisa alheia não deixei;
e quis tudo quanto vi:
agora pois vêde aqui
quanto valem as riquezas,
terras, vilas, fortalezas,
com que meu tempo perdi.

Ó fome de oiro raivosa!
Quais serão os corações
humanos, que tu perdoes,
nesta existência enganosa?
Farta e sempre desejosa
és em todos os estados:
e não menos aos passados
que aos presentes és danosa.

Que foi feito da moeda
que guardei, para meus danos,
tanto tempo, tantos anos,
prata, jóias, oiro e seda?
Pois de tudo não me resta
senão este cadafalso...
Mundo ingrato, mundo falso,
que festa vem a ser esta?


Dos favores cortesãos
o que não soube hoje sei:
não pensava nem pensei
quanto no fundo são vãos.
E de leilão em leilão,
sem nenhum temor nem medo,
quando me deram o dedo,
logo abarquei toda a mão.


Eu fugi da caridade,
caridade me fugiu.
E quem foi que me seguiu
em tamanha necedade?
Se buscais amor, amai.
Se boas obras, fazei
que elas sejam vossa lei,
antes que o mundo vos traia.

Eu, se o alheio tomei,
o que é meu me tomarão;
se matei, não tardarão
em matar-me, bem o sei.
Se prendi, por tal passei;
por quem traí sou traído.
Andei buscando ruído:
basta assaz o que falei.


(Marquês de Santillana, Don Iñigo Lopez de Mendonza, 1398-1458)